“WandaVision” e o ciclo do luto

Marcelo Alves
7 min readMar 8, 2021
Wanda Maximoff teve que superar todas as perdas para seguir em frente em “WandaVision”

Wanda Maximoff nunca foi escada para ninguém. Uma das heroínas mais poderosas do Universo Marvel, a personagem interpretado no cinema (e agora na TV/streaming) por Elisabeth Olsen sempre teve luz e arcos narrativos próprios nas histórias em quadrinhos. Mas por oito semanas a internet, esta entidade composta por inúmeros seres humanos com diferentes graus de impaciência teimou em encontrar um plot maior e grandioso. Maior do que a Wanda. Acontece que “WandaVision”, que teve o seu nono e derradeiro episódio indo ao ar na sexta-feira passada sempre foi sobre ela: Wanda Maximoff. E que jornada a Feiticeira Escarlate teve.

(Atenção para potenciais spoilers a partir de agora)

Podemos tirar muitas interpretações para a nova produção do Universo Cinematográfico da Marvel. Há ótimos textos tratando de empoderamento feminino (aqui) e aspectos mais técnico/narrativos (aqui) espalhados pela internet.

Sem entrar em um, e resvalando um pouco em outro, quero abordar o que, para mim, foi o mais interessante na série: a discussão sobre o ciclo do luto dentro de uma obra enraizada num projeto de cultura de massa e num universo tão popular como o da Marvel.

Usando a sua tradicional roupagem pop, ou a chamada “fórmula Marvel”, “WandaVision” usou a história de dor de Wanda Maximoff para tratar de temas importantes dentro da psicologia e psicanálise: o luto.

Deixando os quadrinhos um pouco de lado, a história de Wanda no Universo Cinematográfico da Marvel é de muita dor. Perdeu os pais na infância em Sokovia, o irmão assassinado em “Vingadores: Era de Ultron” (2015) e o seu grande amor, o Visão, morto em “Vingadores: Guerra Infinita” (2018). Com tantas perdas. Wanda tornou-se uma personagem absolutamente quebrada e sofrendo de um profundo sentimento de pesar, de tristeza.

Em “Luto e Melancolia” (1917), o psicanalista Sigmund Freud, descreve o luto como a “reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como pátria, liberdade, ideal, etc..” No estado de luto, “é o mundo que se tornou pobre e vazio”.

É nesse estado que encontramos Wanda em boa parte da série. Porém, dotada de poderes que alteram a probabilidade, Wanda resolve preencher a sua vida com uma grande história de negação, isolando e escravizando uma cidade inteira do subúrbio de Nova Jersey em torno da sonhada vida perfeita que ela tanto desejou ter ao lado do Visão (Paul Bettany) e que lhe foi tirada pelo vilão Thanos em “Guerra Infinita”. Na cabeça de Wanda, negaram-lhe a felicidade. E ela sequer teve o direito de enterrar o corpo de seu amado. Assim, ela se rebela criando a sua própria realidade confortável num hexágono em torno da cidade de Westview, e que foi apelidado de “hex” pela doutora Darcy (Kat Dennings).

Wanda vivendo a sua sitcom feliz. Uma ilha falsa de felicidade para confortar o seu coração

E aqui temos que puxar uma outra psicanalista para a história. Trata-se da suíça Elisabeth Kübler-Ross. Foi ela quem identificou os cinco estágios do luto, ou da perspectiva de morte, que viraram base para toda a estrutura narrativa da série. As cinco fases são as seguintes:

. Negação — O indivíduo nega o problema, busca maneiras de não entrar em contato com aquela realidade e a pessoa não quer falar sobre o assunto.

. Raiva — Aqui o indivíduo se revolta com o mundo, sente-se injustiçado e não se conforma com o que está passando.

. Barganha — É o início do ponto de virada, quando a pessoa quer sair daquela situação, começa a entender o problema e faz promessas de melhora a si mesma.

. Depressão — É o estágio mais profundo, quando o indivíduo se isola, retira-se para o seu mundo interno e, por vezes, é tomado por melancolia, aém de sentir-se impotente diante da situação difícil em que vive.

. Aceitação — O indivíduo finalmente enxerga a realidade como ela realmente é. E está pronto para enfrentar o problema.

Nem todas as pessoas passam por todos os estágios determinado por Kübler-Ross. Mas é interessante notar que, voltando a “WandaVision”, a série foi estruturada para que Wanda passasse por todos eles, mesmo que fosse momentaneamente.

Se tivéssemos que separar os estágios por episódios, embora correndo o risco de ficar excessivamente esquemático, o que a série nunca demonstrou ser, teríamos a seguinte sequência:

Episódios de 1 a 3 — O estágio de negação. Aqui vemos Wanda mergulhada profundamente em sua sitcom, que reflete os seus shows americanos favoritos, produzidos entre os anos 50 e 70. Sitcons estas que ela acompanhava em DVDs em sua infância pobre em Sokovia. Enquanto passeamos por referências a “Dick van Dyke Show” (1961–66) e “Jeannie é um gênio” (1965–70), vemos uma Wanda esforçando-se para manter aquela realidade paralela intacta, apesar das investidas de Mônica Rambeau (Teyonah Parris) e da própria SWORD.

Episódios 3 a 5 — O estágio da raiva. A partir do final do terceiro episódio, quando Wanda expulsa Mônica do Hex, e até o quinto, quando ela enfrenta a SWORD, temos a raiva. Wanda odeia a tudo e a todos é até se vê como uma vilã, quando questionada sobre os males que estava cometendo. Afinal, ela só quer viver isolada de todo o resto em sua vida pseudo-perfeita.

Episódios 5 e 6 — Aqui temos a barganha. Já no final do episódio 5, Wanda começa a se questiona sobre tudo aquilo em que está acontecendo. É neste episódio que surge Pietro (Evan Peters), mas não o seu irmão assassinado em “Era de Ultron”, mas outra pessoa com o mesmo nome e mesmos poderes do seu irmão morto. Porém, duas coisas não batem: Pietro nunca esteve “escalado” por ela para a sua sitcom, sitcom esta que começa a apresentar “falhas de roteiro”, com gags estranhas e comentários unortodoxos de personagens como Agnes (Kathryn Han) e do próprio Visão.

“O que é o luto se não o amor que perdura” (Visão)

Episódios 7 e 8 — Estágio da depressão. Especialmente no episódio 8, quando temos referências a “Modern Family” (2009–2020) e “The Office” (2005–2013), vemos Wanda mergulhada profundamente na sua dor. Sem querer sair da cama e querendo ficar sozinha (ela nem se incomoda em deixar os filhos com Agnes), sequer procura pelo Visão e sente-se impotente e triste enquanto vê o seu outrora mundo perfeito sofrer profundas falhas, mudando de eras a cada instante. E aqui que vemos uma das frases mais marcantes da série sobre o luto, quando o Visão se dirige a Wanda afirmando: “O que é o luto se não o amor que perdura”.

Episódio 9 — O estágio final, a aceitação. Depois de ser desafiada por Agatha Harkness, que se revela como a vilã da série, aqui Wanda compreende e aceita a sua realidade. Ela não pode viver aquele conto de fadas enquanto mantém uma cidade inteira refém da sua dor, e sofrendo profundamente junto com ela. Wanda completa o seu ciclo, reagindo a dor, aceitando a morte do Visão e que não terá de fato filhos com ele e precisa buscar um novo propósito na sua vida. É neste momento que ela vê amplificar os seus poderes e agora precisará entendê-los, dando-lhe um novo propósito enquanto bruxa e uma das bruxas mais poderosas da história dentro daquele universo. Mas não sem antes se despedir do Visão dirigindo-se a ela com as seguintes palavras: “Você é minha tristeza e minha esperança. Mas principalmente você é meu amor”.

“Você é minha tristeza e minha esperança. Mas principalmente você é meu amor” (Wanda)

E assim Wanda entendeu que precisava seguir em frente e, ao mesmo tempo, administrar a dor e a saudade da vida que poderia ter tido ao lado do Visão. Ela sente a culpa por ter escravizado toda uma cidade em torno da sua dor, mas encontra o conforto nas palavras de Mônica Rambeau. E quantos talvez não tivessem feito o mesmo que ela se tivessem os mesmos poderes?

Wanda se despede de um Visão que se desfaz com o fim do Hex

Pensando no futuro, o final da série promete trazer novos desdobramentos dentro do Universo Cinematográfico transmedia da Marvel. Agora temos um Visão branco que não tem sentimentos como o Visão original, mas recuperou toda a base de dados do que viveu desde o tempo em que era apenas a voz de Jarvis. Temos uma Wanda mais poderosa, tentando entender os seus poderes de Feiticeira Escarlate, e que ainda deve lidar com as consequências de seus atos em Westview. Algo que devemos ver em “Doutor Estranho e o Multiverso da Loucura”, previsto para ser lançado em 2022.

E ainda temo o futuro de Mônica Rambeau e de Agatha Harkness. Mônica deve ser levada para a base espacial onde está Nick Fury, os Skrulls e, muito provavelmente sua história e seus poderes serão melhor desenvolvidos em “Capitã Marvel 2” ou na série “Invasão Secreta”. O filme está previsto para 2022. A série ainda não tem data definida.

Já Agatha ainda deve voltar a aparecer em torno de Wanda, pois ela foi um pouco vilã e mentora na minissérie e, invariavelmente, Wanda precisará contar com a experiência da bruxa. Principalmente depois dos acontecimentos da cena final pós-créditos de “WandaVision”.

Assim, a Marvel vai desenhando o início de uma segunda saga de fôlego depois do sucesso da Saga do Infinito (2008–2019). Há pelo menos 13 filmes programados para serem lançados até 2023, além de 11 séries. E todas elas devem dialogar de alguma forma nesta nova saga que ainda não tem nome.

Não faltará, portanto, entretenimento para se ver nos próximos anos. E será ainda melhor se todos — ou ao menos a maioria — tiverem a mesma qualidade de “WandaVision”.

Cotação da Corneta: nota 8.

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Marcelo Alves

Jornalista e doutorando em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela Universidade Nova de Lisboa. Aqui escrevo sobre cinema, música e cultura em geral.