Tom Hardy merecia um filme melhor para o seu Al Capone

Marcelo Alves
3 min readJul 7, 2020

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Tom Hardy é o que tem de melhor no filme

Em 1939, Al Capone era uma figura que, aos poucos, vinha perdendo toda a noção da realidade em função de seu estágio avançado de sífilis. Completamente sem condições de continuar cumprindo a pena de prisão a que havia sido submetido após sua condenação por sonegação de impostos em 1931. Um dos maiores gangsteres de Chicago, líder de uma rede de uma série de atividades criminosas que incluía apostas, agiotagem, prostituição e o comércio e contrabando de bebidas durante a chamada Lei Seca que vigorou nos Estados Unidos entre os anos 20 e 30 do século passado, Capone teve a sua pena revista e foi liberado para viver os seus últimos anos de vida em sua mansão em Palm Islands, na Flórida.

São estes anos finais de um Capone, que não era mais nem sombra do bandido que fora no passado e que já estava com o cérebro tão debilitado a ponto de apresentar a mentalidade de uma criança de 12 anos que o diretor Josh Trank escolheu retratar em “Capone”.

O resultado da experiência, porém, parece um pouco aquém do esperado. Por um lado temos uma atuação visceral e de muita entrega de Tom Hardy no papel principal. O ator está muito bem retratando a decadência do gangster e tem seu ponto alto já no final do filme, quando um Capone moribundo, usando roupão e fraldas e com uma cenoura na boca simulando um charuto sai pela mansão atirando com a sua metralhadora dourada e causando o ferimento de alguns funcionários da casa.

Por outro lado, o filme não mostra muito quais são as suas intenções. Era só retratar sadicamente a decadência de um dos grandes vilões do século XX nos Estados Unidos? Ele parece ensaiar alguns caminhos, mas não se aprofunda muito neles. Sob um aspecto psicológico, parece ser interessante a tentativa de entrar na mente de Capone enquanto ela se esvai pelo avanço da doença. E o pôster do filme é muito feliz nesta interpretação. Mas não vamos muito além de delírios em que realidade e ficção vão se amalgamando sem que fique muito claro em muitos momentos o que faz parte da vida real e o que são pesadelos e delírios da mente de um homem doente.

O filme tem um outro problema que é o fato de Capone eclipsar todos os demais personagens. Todos são irrelevantes perante o gangster. Neste ponto, o trabalho de Trank não passa de um voo solo de Hardy enquanto mesmo figuras importantes da família de Capone têm uma presença pálida naquele cenário decadente. São fantasmas que vivem ali aguardando a morte do patriarca da família, mas sem uma reflexão sobre passado, o presente e o futuro que dê algum indício de como aquelas pessoas irão viver após a morte de alguém que é um inimigo do país.

Fica claro que não é interessante para o diretor expor os dramas dos demais familiares. Mas talvez enriquecesse o filme se ele tivesse trazido novas questões à história e não apenas quase duras horas de um homem num estado quase demente.

O mesmo vale para a trama do suposto dinheiro que Capone teria escondido. Muitos querem saber onde está, se ele existe, mas não há uma busca, não há intenções de se fazer algo e mesmo a polícia se resume a vigiar o gangster e esperar a sua morte.

No final do filme, pequenas notas vão dando explicações sobre o que aconteceu depois da morte de Capone. Teria sido mais instigante se todas estas questões fossem mais trabalhadas na história.

“Capone” prometia muito, mas entregou pouco. O filme vale pela interpretação de Hardy, mas não acrescenta muito à história do gangster tantas vezes retratado no cinema.

Cotação da Corneta: nota 6.

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Marcelo Alves
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Written by Marcelo Alves

Jornalista e doutorando em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela Universidade Nova de Lisboa. Aqui escrevo sobre cinema, música e cultura em geral.

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