Remakes, reboots, prequels e sequels: universos transmedia e o cinema que não tem fim
Vencedor do Oscar de 2020, o filme sul-coreano Parasite não colheu apenas as glórias de uma campanha bem sucedida na temporada de premiações americana. Bong Joon Ho também saiu de Hollywood com um contrato com a HBO para uma série de TV baseada em seu filme, mas que, segundo o próprio diretor, não será uma refilmagem de sua obra. Em entrevistas, Bong Joon Ho falou em “versão expandida”[1] de sua obra, que, como será feita com atores americanos e na língua inglesa, dá a entender de que deve tratar de uma realidade local, mas dentro do que pode ser uma espécie de universo de Parasite. Segundo o próprio diretor, a ideia é que o novo Parasite seja uma minissérie que funcione como um filme de seis horas de duração.
Parasite é só o mais recente exemplo de uma realidade cada vez mais presente dentro do cinema no século XXI. A das obras que não necessariamente tem um fim. No texto da Poética, concebido entre os anos de 335 A.C. e 323 A.C., Aristóteles dizia que a arte deve ter princípio, meio e fim. Princípio, diz Aristóteles, “é o que não contém em si mesmo o que quer que siga necessariamente outra coisa e que, pelo contrário, tem depois de si algo com que está ou estará necessariamente unido” (Poética, VII, 1450b 42). Ou seja, temos aqui a saída do chamado herói da sua zona de conforto, pois aquele espaço não lhe cabe mais e ele precisa sair em busca de um desafio vindouro por necessidade ou quando é forçado a isso por elementos externos. Meio, Aristóteles continua, “é o que está depois de alguma coisa e tem outra depois de si” (Poética, VII, 1450b 42). Aqui temos exatamente o núcleo de uma história, onde toda a aventura ou os conflitos acontecem. Finalmente, o fim, na visão aristotélica “é o que naturalmente sucede a outra coisa, por necessidade ou porque assim acontece na maioria dos casos, e que, depois de si, nada tem” (Poética, VII, 1450b 42), Ou seja, a conclusão da aventura, onde encontramos o destino dos personagens, eventualmente com uma lição ou uma moral apresentadas.
Muitos pensadores que analisaram a narrativa ou trabalharam com a produção de conteúdo no cinema seguiram até pelo menos meados dos anos 80 do século XX com essa ideia. Mas com o crescimento dos chamados universos transmedia, principalmente a partir da trilogia Matrix (1999–2003), uma nova realidade se impôs e vem ganhando força na indústria.
Esta realidade é a da quebra dessa estrutura tripartite (começo, meio e fim) para um cinema que simplesmente não tem mais fim. A realidade é que expandir os universos de uma história se tornou uma tendência no cinema do século XXI. E as histórias não estão mais se encerrando como outrora. O famoso The End que víamos em filmes clássicos do passado está sendo substituído por filmes e séries de finais abertos ou semiabertos. E quando não há um claro cliffhanger[2] que aponte para uma continuação, vemos a conclusão de uma história de uma forma não comprometedora que impeça um plano de uma potencial continuação daquela mesma história. Assim, temos, por exemplo, personagens principais que permanecem vivos ou não tenham conclusões minimamente definitivas como reformas ou saídas de cena por opção.
O que vemos nestas duas décadas do século XXI é uma explosão de universos expandidos, auxiliados por prequels, sequels, spin-offs, remakes, reboots, retcons[3]. E o máximo esgotamento das narrativas dentro de um determinado universo.
O resultado deste movimento, é a impressão de que há pouco material original vindo de Hollywood, pois as histórias, embora novas, se repetem. Os personagens estão sempre voltando para novas aventuras e acompanhamos a vida e a evolução deles como novelas que vão retomando de tempos em tempos. Há menos novos personagens vivendo novas histórias e mais velhos personagens vivendo novas histórias num ciclo de eterno retorno e pouca evolução ou conclusão de facto.
Em The Sequel paradox: repetition, innovation, and Hollywood´s hit film formula, a pesquisadora Kathleen Loock diz que Hollywood está abandonando a estrutura tripartite aristotélica em prol de uma narrativa em círculos.
“A tradicional estrutura de três atos dos filmes (começo, meio e fim) que proporcionava o prazer de um enredo completo e gratificante estava supostamente desaparecendo rapidamente, pois Hollywood passou a preferir filmes que já têm um pé na sequência. A franqueza substituiu o fechamento narrativo, à medida que os tópicos da trama foram deixados pendurados para serem apanhados no próximo capítulo, e estratégias explícitas de serialização (como flashbacks, repetição de linhas e gags de assinatura, situações recorrentes, etc.) estabeleceram um contexto intertextual de dependência de um ou mais filmes anteriores. Os títulos de filmes com números romanos ou árabes eram emblemáticos dessa estética em série, demonstrando sem sombra de dúvida que a sequência foi contrária ao ideal dos críticos de um “original” independente. Embora os críticos de cinema tenham condenado a propensão da indústria a repetir infinitamente uma fórmula vencedora, em vez de produzir obras de arte originais, as sequências enfrentam os desafios criativos da renovação perpétua, que geralmente são ignorados nas críticas à “sequência”. (Loock, 2017).
É claro que desde pelo menos a década de 70, o cinema lida com sequels. The Godfather (1972), teve duas continuações lançadas em 1974 e em 1990. A primeira trilogia da saga do arqueólogo Indiana Jones foi lançada entre 1981 e 1989 — Raiders of the Lost Ark (1981), Indiana Jones and the Temple of Doom (1984) e Indiana Jones and the last Crusade (1989). Star Wars, que talvez seja a primeira grande franquia mundial, nasceu como uma trilogia lançada entre 1977 e 1983. Quando na virada do século XX para o século XXI, George Lucas começou a lançar uma nova trilogia prequel da saga dos Skywalkers, os primeiros filmes tiveram até que mudar de nome e serem reorganizados na linha do tempo da franquia, passando a se chamar, respectivamente, Star Wars: Episode IV — A new hope (1977), Star Wars: Episode V — The Empire Strikes Back e Star Wars: Episode VI — Return of the Jedi (1983).
No livro Cycles, Sequels, Spin-offs, Remakes and reboots — Multiplicities and film & Television, Amanda Ann Klein e R. Barton Palmer, afirmam que o cinema, desde o início, “dependeu de tais multiplicidades, em vez de promover o valor único dos filmes individuais” (Klein e Palmer 2016, 1). O motivo, eles afirmam, é que a reutilização com reconfiguração dos materiais pré-existentes são “adjuntos irresistíveis para a continuação da produção textual” (Klein e Palmer 2016, 1).
A interconexão entre os produtos em uma cultura transmedia tão fartamente analisada por Henry Jenkins em livros como Cultura da Convergência (2009) e Cultura da Conexão (2015) é irresistível para o espectador contemporâneo, que gosta de se aprofundar no universo de seus personagens favoritos, explorar todos os aspectos transmedia de uma obra e viver repetidamente num universo que lhe é confortável e lhe traz prazer e entretenimento. E Hollywood apercebeu-se disso, passando a produzir cada vez mais das mesmas histórias e aventuras envolvendo os mesmos personagens. E, quando necessário, trabalhando em reboots e remakes. Já tivemos, por exemplo, pelo menos dois reboots do Spider-Man e já vamos para o quinto reboot do Batman quando for lançado o novo filme estrelado pelo ator Robert Pattinson em 2021. Também já foram feitos pelo menos dois remakes de Charlie´s Angels, o mais recente deles, em 2019, sem contar nas novas histórias envolvendo os personagens de Stark Trek, a última delas a trilogia entre 2009 e 2016.
“A conexão entre textos se torna um aspecto importante do consumo de media, pois os laços que ligam os textos entre si — o que Gérard Genette chama de “transtextualidade” — oferecerem a oportunidade de formas complexas de prazer estético. As multiplicidades convidam os espectadores a apreciar o novo no contexto das leituras familiares e já aprovadas, sancionando leituras que cruzam as fronteiras textuais. Genette sugere que as críticas devem se concentrar em “toda conexão que une um texto B a um texto A anterior a ele” (nossa ênfase), e isso é particularmente verdadeiro no cinema e na televisão, formas textuais nas quais a reutilização e a recontextualização são, por razões institucionais, especialmente proeminente”. (Klein e Palmer 2016, 1).
Isso ajuda a explicar este momento do cinema atual em que o fim de um filme é quase sempre um novo começo de outro. E aqui temos a aposta num modelo de narrativa focado na multiplicidade.
1. Narrativas de foco múltiplo
Não se faz cinema ou TV sem narrativa. Por isso, é preciso neste momento recuar um pouco e conceitualizar a narrativa até chegar a questão do modelo múltiplo que é a marca do cinema sem fim.
Pode-se dizer que narrativas existem desde sempre na história humana. Afinal, a arte rupestre não deixa de ser uma forma de retratar um momento da história do homem pré-histórico. No livro A theory of narrative (2008), o professor de cinema e literatura comparada Rick Altman diz que “a narrativa foi realizada onde quer que os seres humanos foram” (Altman 2008, 1), Altman afirma que a narrativa sempre esteve presente e atualizando-se ao longo da história e constitui-se numa “estratégia essencial da expressão humana em, portanto, um aspecto básico da vida humana” (Altman 2008, 1).
Muitos autores já trouxeram definições sobre o conceito de narrativa. Aristóteles definia e dissecava a tragédia e seus elementos no texto da Poética. Já no século XX, autores como Gérard Genette e Roland Barthes trouxeram suas visões contemporâneas para a definição de narrativa. Em Narrative Discourse (1980), Genette afirma que a própria palavra “narrativa” tem uma carga de ambiguidade que faz com que seja necessário distinguir pelo menos três noções distintas de narrativa. O primeiro, ele afirma, “refere-se ao discurso oral ou escrito que se compromete a contar um evento ou uma série de eventos” (Genette 1980, 25). O segundo, Genette, continua, refere-se “à sucessão de eventos, reais ou fictícios, que são os sujeitos desse discurso, e as suas diversas relações de vinculação, oposição, repetição etc.” (Genette 1980, 25). Por fim, Genette diz haver um terceiro significado, que ele diz ser o mais antigo. Este “refere-se mais uma vez a um evento: não, no entanto, recontado, mas o evento que consiste em alguém recontando algo: o ato de narrar em si” (Genette 1980, 29).
Genette, assim conclui que analisar a narrativa significa estudar a relação em que é “por um lado, a relação entre um discurso e os eventos que ele relata (narrativa em seu segundo significado); por outro, a relação entre o mesmo discurso e o ato que o produz, na verdade (Homero) ou ficticiamente (Ulisses) (narrativa em seu terceiro significado)” (Genette 1980, 30).
No ensaio intitulado “Introdução à análise estrutural da narrativa” presente no livro Análise estrutural da narrativa, Roland Barthes define da seguinte maneira a narrativa:
“A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou imóvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação. Além disto, sobre estas formas quase infinitas, a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há em parte alguma povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas, e frequentemente estas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, e mesmo opostas; a narrativa ridiculariza a boa e a má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural. A narrativa está aí, como a vida” (Barthes 2011, 19).
A definição de Barthes guarda algumas semelhanças com as de Altman e Genette. Em seu A theory of narrative, Altman faz um genealogia da história da narrativa, reafirmando a linha do tempo histórica do conceito e, de um modo mais prático, concordando com o entendimento aristotélico de que a narrativa precisa ter um começo, meio e fim para que possam ter alguma coerência. Segundo Altman, estes três elementos distintos devem se conectar “através de causas claramente motivadas; e eles devem eliminar qualquer material não relacionado a essa unidade de ação” (Altman 2008, 3).
Altman classifica a narrativa em três modelos: foco simples, foco duplo e foco múltiplo[4]. Na narrativa de foco duplo, “o narrador não segue nenhum personagem por toda parte, mas alterna regularmente entre dois grupos cujo conflito fornece a trama” (Altman 2008, 55). Este é um tipo de narrativa mais comum no cinema, composto por muitas histórias de duas realidades que se chocam até que o conflito reduza a dualidade à unidade. É também um modelo que vigora desde a Ilíada, de Homero, que é considerado um texto-base do tipo de narrativa de foco duplo e um modelo muito copiado em Hollywood.
As narrativas de foco único, por sua vez, muitas vezes nascem da resolução da narrativa de foco duplo. Aqui o objetivo é seguir apenas um olhar.
“Os narradores de foco duplo conferem aos personagens uma identidade e depois prestam atenção a um ou outro personagem como bem entenderem. Os narradores de foco único operam de maneira totalmente diferente. Não apenas concedem liberdade de consciência a personagens individuais, mas também consentem em seguir personagens selecionados de incidente a incidente, em vez de medir cada ação de uma lei predeterminada, excluindo indivíduos excepcionais do texto. Enquanto os personagens de foco duplo são presos desde o início em um sistema que eles não podem deixar sem abandonar também o texto e, portanto, suas próprias vidas, os protagonistas do foco único são representados como tendo escolhido o modo de foco único sobre o sistema de foco duplo no qual eles nasceram. É essa escolha, inspirada no nascimento do desejo pessoal, que capta a atenção do narrador e subordina o seguinte padrão a um único protagonista” (Altman 2008, 119 e 120).
Por fim, temos aquilo que nos interessa mais para este trabalho: o modelo de foco múltiplo. Altman afirma que este tipo de narrativa acontece “quando um texto segue vários personagens diferentes” (Altman 2008, 241). Ele costuma envolver múltiplos enredos e atuam na descontinuidade, “forçando tanto personagens quanto leitores a criar métodos de derivar significado de fragmentos aparentemente não relacionados”. (Altman 2008, 242).
Narrativas de foco múltiplo têm sempre um novo começo e sua história age como se apesentasse um mosaico que necessariamente precisa ser de natureza transindividual. Altman cita Guerra e Paz, de Tolstói, como um modelo de foco múltiplo, onde nenhum personagem representa o foco e o objeto do texto.
“A atenção aos caminhos de caracteres pré-compartilhados, tão salientes no início, é progressivamente substituída pelo mapeamento ativo das interseções temáticas. A leitura de foco múltiplo envolve um processo de reescrita, um procedimento tripartido que envolve o leitor intelectualmente, em vez de (ou além de) provocar a identificação: 1. O leitor começa seguindo cada personagem, por sua vez, identificando-se com alguns mais do que outros, encaixando cada peça em um esboço geral da história apresentada. 2. À medida que o texto avança, o leitor reordena o material narrativo de acordo com um número crescente de interseções temáticas, sugeridas por laços metafóricos, paralelismo conceitual ou intervenção narrativa. 3. Fixando traços ou temas comuns que reúnem personagens e eventos, o leitor redefine radicalmente o texto, agora vendo novos personagens e ações em termos de sua capacidade de concretizar categorias conceituais. Uma vez atingido esse estágio de nomeação, personagens e ações perdem sua autonomia, passando a ser lidos pelo que representam em termos temáticos, mais do que pelo que são ou fazem” (Altman 2008, 286).
Mais até do que a narrativa de foco duplo, as narrativas de foco múltiplo só funcionam quando temos um universo construído. Afinal, como o próprio Altman define, o foco deste tipo de trabalho é mais voltado para as ações que acontecem no ambiente do que pela jornada de um ou dois personagens. Aqui, há uma dependência muito maior da história e os personagens caminham à serviço dela, e não o inverso, como em modelos tradicionais de foco duplo e simples.
Os modelos desenvolvidos por Altman não necessariamente vivem isolados em si. Em um universo cinematográfico todo construído num sistema de teia, por exemplo, a grande história pode ser de foco múltiplo encadeada por pequenas histórias de foco simples ou duplo.
É inegável, no entanto, que foi a partir da formação de universos cinematográficos e das narrativas de foco múltiplo que o cinema encontrou novos limites para a sua expansão de uma história sem fim. E isto tanto vale para histórias que continuam sendo produzidas eternamente e de forma serializada, quase como se o cinema estivesse fazendo TV, quanto para a explosão que tivemos de reboots, prequels, sequels, spin-offs, remakes e retcons.
2. Remakes, reboots, sequels, prequels e retcons
A partir da última década do século XX, o cinema passou a adotar todo um novo vocabulário. Seja pela busca por uma conexão nostálgica de um elemento visto como positivo no passado, seja pelo inevitável desejo do dinheiro fácil conquistado com uma base de fãs pré-estabelecida, o cinema começou a se repetir em ciclos trazendo o sentimento de um eterno retorno do mesmo, graças as suas franquias intermináveis.
Com isso, todo um novo vocabulário se popularizou. Alguns mais, outros menos, mas não é difícil encontrar pessoas comuns que saibam explicar o que são reboots, prequels, sequels, spin-offs, remakes e retcons. Vamos aqui definir e limitar cada um destes conceitos, que são importantes para compreender os movimentos tomados pelo cinema nas últimas décadas.
Comecemos pelo remake. O remake talvez seja a primeira tentativa do cinema de perpetuar uma história conhecida por outras gerações. Remake significa refazer, ou seja, é uma regravação de um filme que já havia sido produzido anteriormente. Eventualmente, ele pode ser uma cópia quase que frame a frame, como foi o remake de Psycho (1998), de Gus Van Sant, a partir do clássico de Alfred Hitchcock de 1960. Mas o remake também pode conter ajustes que tragam alguma modernidade tecnológica ou o façam dialogar com o seu tempo. E neste caso temos diversas opções, como o remake de Bewitched (2005), estrelado por Nicole Kidman, inspirado na versão de 1964.
Hollywood também tem por hábito fazer remakes de filmes estrangeiros de sucesso para o seu público que costuma ser avesso a legendas. Foi assim com o coreano Oldboy (2003), que ganhou uma criticada versão dirigida por Spike Lee em 2013, e o francês Intouchables (2011), que ganhou uma versão americana chamada The Upside em 2017.
Nos últimos anos, os estúdios também têm se dedicado a fazer remakes em live-action de clássicos da animação. Foi assim com The Lion King (2019), Aladdin (2019), The Jungle Book (2016) e o mesmo acontecerá com Mulan, previsto para 2021.
Em Hollywood remaking as second order serialization, Frank Kelleter e Kathleen Loock, dizem que o remake ajuda a canonizar o original ao mesmo tempo em que estabelece uma comunicação com o passado. Segundo Kelleter e Loock, “somente após a produção de um remake e após o sucesso ou fracasso reativar o interesse pelo material e que a versão inicial do filme se estabelece como “clássica” ou “original” (Kelleter e Loock 2017, 132). Eles dizem ainda que “A refilmagem ajudou a construir e a comunicar um passado cinematográfico como um arquivo de histórias imaginado através de processo de repetição e variação” (Kelleter e Loock 2017, 135).
Kelleter e Loock ainda chamam a atenção para outro movimento da indústria. Ao invés de refazer filmes antigos, fazer versões atualizadas que se relacionam com seus precursores de maneira mais explicitamente ou amalgamada. Um bom exemplo disso é a versão de Ghostbusters, de 2016, que dialoga com os filmes originais realizados entre 1984 e 1989. Neste ponto, e parcialmente nos exemplos anteriores, os remakes assumem um caráter de intertextualidade, fazendo referências cruzadas com a obra original.
“The Planet of the Apes, de Tim Burton, em 2001, por exemplo, contém vários momentos intertextuais projetados para refletir o original de 1968. As linhas icônicas do astronauta George Taylor “Tire suas patas fedorentas de mim, seu macaco imundo!” e “Maldito seja, maldito seja, maldito seja o inferno!” desta vez são levemente alterados e falados pelos macacos (“Tire suas mãos fedorentas de mim, seu maldito humano!”; “Malditos, malditos, todos eles para o inferno!”), enquanto Charlton Heston, que interpretou Taylor no original, retorna como um macaco. O coprodutor Ralph Winter disse sobre o papel não creditado de Heston: “É como um easter egg para os aficionados descobrirem com quem ele está jogando e como isso ressoa na história” (Kelleter e Loock 2017, 136).
Do remake, partimos para o segundo ponto, o sequel. Como o próprio nome diz, o sequel é a continuação de uma obra anterior, que continua uma história ou a expande. Lethal Weapon (1987), Die Hard (1988), First Blood (1982), Rocky (1976), muitos filmes entre o final dos anos 70 e os anos 80 tiveram sequels. Algumas delas continuam sendo feitas até hoje.
Remakes e sequels sempre foram feitos por uma série de fatores. Desde técnicos, como a evolução tecnológica para que as histórias fossem refeitas a cores, em 3D ou live-action, até aspectos culturais. Para Kelleter e Loock, “remakes e sequels de filmes fornecem marcadores de continuidade temporal, às vezes para culturas inteiras que podem se reconhecer nos filmes que continuam refazendo” (Kelleter e Loock 2017, 132). Ou seja, eles ampliam a experiência coletiva do espectador.
Tal como o sequel, o spin-off não deixa de ser uma continuidade da narrativa. O termo costuma ser utilizado para designar as produções criadas a partir de outra já existente. Geralmente, são produtos derivados de outros de sucesso, mas que exploram um aspecto ou personagem que tinha um papel de coadjuvante na obra original. Em Transmedia Practice: Theorising the Practice of Expressing a Fictional World Across Distinct Media and Environments (2009), Christy Dena entende que os spin-offs são uma variedade de narrativa transmedia. O spin-off costuma trazer pontos de vista e uma contribuição única para o universo narrativo ao qual ele faz parte. Alguns chegam a promover crossovers, quando a personagem de uma série participa de outra e vice-versa, caso que aconteceu com as séries Buffy (1996–2003) e seu spin-off, Angel (1999–2004).
Prequels são um movimento muito recente no cinema. Ele consiste numa narrativa que contém elementos ambientados num determinado universo ficcional cuja história antecede ao trabalho anterior, apresentando eventos antes da obra original. Muitas vezes os prequels são usados para explicar acontecimentos da obra original.
Prequels não eram muito comuns até o fim do século XX. Talvez o mais famoso deles seja The Godfather: part II (1974), que conta exatamente a história inicial de Vito Corleone, personagem vivido por Marlon Brando no primeiro filme e por Robert De Niro, no segundo filme. Mas ainda assim, o filme de Francis Ford Coppola não poderia ser considerado um prequel de facto, pois ao mesmo tempo em que mostra o jovem Vito Corleone, também apresenta a continuação da história de Michael (Al Pacino).
Uma trilogia que de facto pode ser considerada um prequel é a de Star Wars lançada entre 1999 e 2005. Star Wars: Episode I — The Phanton Menace (1999), Star Wars: Episode II: Attack of the Clones (2002) e Star Wars: Episode III — Revenge of The Sith (2005), contam eventos ocorridos antes dos acontecimentos dos filmes originais lançados entre 1977 e 1983. Apesar das críticas de especialistas em cinema, os três episódios tiveram boa receita de bilheteria e animaram a criação de novas prequels. Assim, surgiram filmes como Prometheus (2012), que conta eventos anteriores da franquia Alien (1979–1997), Red Dragon (2002), ambientando no universo de Hannibal Lecter, vilão de The silence of the lambs (1991), X-Men: First Class (2011), com acontecimentos anteriores à trilogia original dos X-Men (2000–2006). Além de Fantastic Beasts and where to find them (2016) e Fantastic Beasts: The crimes of Grindelwald (2018), filmes ambientados no universo Harry Potter e que contam histórias de décadas anteriores às aventuras de Hogwarts.
Para Kelleter e Loock, remakes, sequels e prequels são “variedades históricas” (Kelleter e Loock 2017, 126) de uma prática que se tornou comum em Hollywood: a serialização das histórias.
“Os filmes americanos da era dos estúdios tiveram que empregar estratégias de variação repetitiva que eram mais lentas, mais trabalhosas, menos rítmicas e mais mediadas — embora não menos organizadas — do que as encontradas nas práticas de serialização de jornais, rádio ou ( depois) televisão. Embora existam exemplos de séries de longas-metragens na era dos estúdios — Andy Hardy, Charlie Chan, Blondie, Pa e Ma Kettle etc. — essas produções geralmente se baseavam em estratégias de serialização desenvolvidas em outros meios (especialmente rádio e quadrinhos) e eram frequentemente comercializadas como contribuições para franquias transmedia. No geral, no entanto, a reprodução inovadora de longas-metragens de Hollywood não culmina nem costuma culminar em histórias explicitamente serializadas. Em vez disso, a reprodução inovadora é frequentemente perseguida através de uma prática mais implícita de serialização: a prática de refazer o cinema, na qual um texto-fonte que foi inicialmente identificado como uma história independente é reativado, repetido, alterado e de fato continuado no ato de refazer os formatos da indústria, como o remake do filme, o sequel, o prequel, a trilogia, o reboot e assim por diante” (Kelleter e Loock 2017, 129).
Muitos prequels, inclusive, servem para dar o chamado reboot numa história. Mas este movimento não necessariamente é comum. Um reboot, portanto, nada mais é do que uma nova versão de uma história de ficção que não guarda relação com o universo canônico da obra original.
Obras baseadas em quadrinhos costumam ter com alguma frequência reboots. Já citamos Batman e Spider-Man, mas também já tivemos reboots do Superman e de Wonder Woman, por exemplo.
Há muitos reboots que vêm acompanhados de retcons. Retcon é uma abreviatura em inglês para a expressão retroactive continuity, que consiste em alterar fatos previamente estabelecidos na continuidade de uma obra de ficção para que os roteiristas tenham a chance de revisar a história original e incluir acontecimentos que não poderiam ter sido incluídos de acordo com a forma como a história original ou canônica vinha sendo construída. Todos os reboots do Spider-Man e do Batman, por exemplo, vieram acompanhados de retcons. A própria linguagem do retcon foi importada do universo dos quadrinhos. Os primeiros a fazer isso foram justamente as editoras Marvel e DC, que usavam retcons para reiniciar histórias que, eventualmente, apresentavam problemas em sua narrativa ou com o intuito de atualizar as histórias e/ou renovar o seu público ao longo das décadas.
Tanto o reboot, quanto o retcon, portanto, ajudam a rejuvenescer a marca. Para Karen Krizanovich, esta é a principal função do reboot. Em The reboot — franchise, rejuvenation in the film product life cycle, Krizanovich diz que a possibilidade de explorar com mais intensidade marcas de sucesso do passado e criar um círculo virtuoso e eterno destas mesmas marcas é que fizeram com que Hollywood investisse nestes projetos de rejuvenescimento.
“Os filmes de franquia começam com uma propriedade principal como “descoberta”, que, se bem-sucedida, entra em seu estágio de exploração liberando um ou mais filmes da mesma franquia. Desde sua fase de exploração, o produto chegará a um estágio de declínio dentro do ciclo de rejuvenescimento do produto. Lá, dependendo do desempenho da franquia, o produto pode ser relançado ou rebootado para iniciar a mesma franquia para outra geração de consumidores de imagens em movimento” (Krizanovich, 2010).
Em “Reboots and retroactive continuity”, artigo publicado no livro The Routledge companion imaginary worlds, William Proctor diz que os reboots são utilizados para atrair novos fãs para uma determinada franquia.
“Rebooting é uma das maneiras pelas quais a continuidade de um mundo imaginário pode ser reprogramada para lidar com um número crescente de falhas na memória narrativa. Por outro lado, essa reprogramação também sinaliza para novos leitores em potencial que um ponto de entrada funcional foi aberto, um convite direto para aqueles que poderiam ter sido adiados pela improbabilidade de acompanhar cinquenta anos de continuidade. isso ilustra a dupla lógica do rebooting, que visa abordar o turbilhão de contradições para apaziguar a demanda crescente de coesão e consistência, além de funcionar como uma maneira de atrair novos leitores com a promessa de uma folha em branco. A partir dessa posição, o reboot dos quadrinhos da DC é tanto uma técnica narrativa quanto uma estratégia econômica / industrial projetada para estimular o fluxo de caixa”. (Proctor 2018, 227).
O problema é que tanto o reboot quanto o retcon acabam por trazer frustração para os fãs antigos, que investiram tempo e dinheiro na narrativa anterior e, da noite para o dia, aquela história não mais existia dentro da linha temporal do seu personagem favorito.
3. A serialização no mundo transmedia
Reboots, sequels, prequels, retcons, spin-offs e remakes ganharam ainda mais importância na cultura transmedia. Principalmente pelo aspecto econômico. Há uma certeza de que um determinado valor será atingido quando uma obra que dialoga com um sucesso anterior é lançada. Daí o investimento em massa que os grandes estúdios de Hollywood têm feito anualmente em novas velhas histórias, deixando o material inédito para momentos de exceção. Hoje em dia, material inédito é, em sua maioria, fruto de estúdios menores, independentes ou de acordos que diretores famosos fazem com estúdios para financiarem seus projetos em troca da direção de um blockbuster com potencial de gerar milhões de dólares.
A aposta em velhas histórias é feita pela fidelização e familiaridade cultural que o espectador tem com uma determinada história, a ponto de o levar a consumir não apenas ingressos de cinema, mas livros já existentes, histórias em quadrinhos, brinquedos temáticos, ou ingressos em parques temáticos. Aí entra o aspecto transmedia da obra em que o espectador é convidado a viver aquele mundo e fazer parte do que Kathleen Loock chama em The sequel paradox: repetition, innovation and Hollywood´s hit film formula de “conjuntos narrativos muito amplos” (Loock 2017, 93).
Os filmes, portanto, são concebidos não apenas como um único filme, mas uma história que você deve escolher seguir por muitos anos. Talvez décadas. Cabe ao espectador comprar ou não a ideia e não apenas um filme.
“Os filmes mais recentes pertencem a grandes franquias transmedia que se estendem por várias plataformas de mídia e giram em torno de personagens seriais bem conhecidos, em particular super-heróis de quadrinhos (como nos filmes X-Men e Spider-Man), ou compõem várias partes adaptações literárias como o Lord of The Rings e filmes de Harry Potter. Desde o início, esses filmes de franquia são projetados como um investimento limitado a longo prazo, com contratos de múltiplos filmes que garantem o envolvimento contínuo de talentos criativos em uma sequência de sequências, como forma de evitar o aumento de custos (que muitas vezes significava o fim de produção de sequels no passado). (…) Os sequels exigiram “o que era anteriormente inovador para se tornar fórmula, para que a variação se tornasse repetição”. (Loock 2017, 102 e 103).
A partir da trilogia de Matrix (1999–2003) realizada pelas irmãs Wachowski, Hollywood passou a apostar no que Jessica Bay chama em The new Blockbuster film sequel: changing cultural and economic conditions within the film industry de multimedia sequel (2010). Ou seja, uma aposta numa proposta de história continua e transmedia a partir das teorias desenvolvidas por Henry Jenkins, especialmente nos livros Cultura da Convergência (2009) e Cultura da Conexão (2015).
O multimedia sequel tem justamente a ideia de expansão do transmedia storytelling estudado por Jenkins. “Quando combinado com a criação de um conjunto de sequels, o conceito é expandido a ponto de criar um nível de possibilidades para o filme e a própria sequência” (Bay 2010, 8). Para Bay, o multimedia sequel “tem o potencial para oferecer uma importante expansão dos elementos da história em um meio que não seja o filme” (Bay 2010, 7). Por isso a importância não apenas da internet como de outras tecnologias digitais, fundamentais para que projetos de multimedia sequels atinjam todo o seu potencial.
Do multimedia sequel, foi inevitável que o cinema caminhasse para o que Bay chama de “Saga Sequel” (Bay 2010, 7), ou seja, um conjunto de filmes que contém uma única história a partir de diversas histórias.
“O Saga Sequel refere-se aos conjuntos de sequels que oferecem uma história sobre frequentemente três ou mais filmes. Com esses tipos de filmes, seria prejudicial assistir os filmes em um conjunto de sua ordem pretendida, pois a compreensão dos filmes subsequentes é dependente do conhecimento adquirido em filmes anteriores. Esses filmes diferem do formato de série antiga, notavelmente em sua extensão. Séries são bastante curtas enquanto Saga Sequels incluem filmes com duração regular de filme. O conjunto de filmes de Lord of the Rings é um excelente exemplo desse modelo industrial, pois exemplifica a maioria dos elementos do Saga Sequel e é regularmente chamado de conjunto completo de filmes” (Bay 2010, 7 e 8).
Além de Lord of The Rings, também podem ser considerados Saga Sequels os dez filmes do universo Harry Potter, incluindo aqui os dois trabalhos de Fantastic Beasts, os 11 filmes da saga Star Wars e, os 23 filmes da chamada Saga do Infinito, do Universo Cinematográfico da Marvel.
A Saga do Infinito talvez seja o mais longo exemplo de saga sequel do cinema, uma vez que o projeto durou 11 anos para ser concluído. E o sucesso dela se comprova pelos números de bilheteria. Seis dos 23 filmes estão entre os 20 mais vistos da história do cinema: Avengers: Endgame (2019), Avengers: Infinity War (2018), The Avengers (2012), Avengers: Age of Ultron (2015), Black Panther (2018) e Iron Man 3 (2013).
“Esse tipo de sequel oferece enredo e história que são contínuos ao longo de todo o conjunto de filmes e a coisa toda pode ser vista como um trabalho unificado, dividido em filmes/seções individuais. Com o Saga Sequel, perder um dos filmes anteriores pode confundir o espectador, pois os elementos da trama não são repetidos. Além disso, muitas vezes pelo menos dois dos filmes desse tipo de cenário são filmados juntos e, ocasionalmente, todos os filmes” (Bay 2010, 54).
Para que uma Saga Sequel dê certo, no entanto, é preciso ter um universo construído coerente para a história. É onde a Marvel acertou. Até porque já tinha um universo construído nas histórias em quadrinhos. E onde outros produtos que tentam ser mais longevos em seus projetos costumam falhar.
Junto a isso, temos as evolução tecnológica, que proporcionou levar ao espectador imagens que desafiassem os limites humanos a partir de efeitos especiais mais realistas em uma história mais bem acabada do que filmes populares de décadas anteriores. Em geral, os blockbusters de hoje em dia, tem uma história e acabamento mais bem construídos do que os blockbusters do passado, pois a exigência do espectador é maior. E o retorno do espectador é fundamental para que o lucro do estúdio se multiplique exponencialmente com narrativas que se repetem sobre um determinado mundo de uma história.
“Conjuntos de sequências de várias histórias estão impactando a cultura popular, concentrando-se em histórias básicas que apresentam tramas e desenvolvimento de mundo mais complexos. Estes tipos de histórias são cada vez mais escolhidos pelos produtores, com base em seu potencial como conjunto de sequências e em sua capacidade de oferecer efeitos especiais fantásticos. Vemos um desejo frequente por multimedia e saga sequels (…) Os estúdios são capazes de produzir esses filmes com várias histórias, porque o público está mais consciente e treinado em linguagem cinematográfica e convenções genéricas a partir de suas experiências multimedia com televisão, cinema e internet. É essa experiência e desejo de várias histórias, juntamente com os custos mais baixos de sequências de filmagem e marketing, bem como os grandes retornos financeiros possíveis que criaram a sequência como um fenômeno de grande sucesso, em vez de outro produto direto para DVD” (Bay 2010, 87 e 88).
Conclusão
O cinema hoje lucra muito com universos transmedia baseados ou não em modelos de multimedia e saga sequel. Um levantamento feito pelo jornal New York Times[5] em maio de 2019 mostra que a década de 2010 foi dominada por continuações ou filmes de universos já constituídos. Nunca se produziram tantas continuações de histórias previamente filmadas quanto em outras décadas na história do cinema. Ainda segundo o New York Times, mais da metade dos filmes lançados no verão do hemisfério norte nos últimos 37 anos são histórias que fazem parte de alguma série de filmes. E 63% do dinheiro em bilheteria do cinema vem de sequências de histórias outrora produzidas.
São dados que mostram que o público tem um fascínio por acompanhar estas histórias serializadas e que afetam a forma de se fazer cinema hoje em dia. Muitas histórias não se bastam mais em si, mas terminam com ganchos para potenciais sequências ou já são pensadas para terem desdobramentos futuros. E quando elas se esgotam, o cinema investe em reboots, retcons, spin-offs ou até prequels.
Mas isso também gera consequências como o estrangulamento do espaço de exibição para filmes médios que nem fazem parte deste universo cada vez mais em expansão dos blockbusters, nem do grupo de filmes que costuma concorrer a prêmios como Oscar e Globo de Ouro.
Por outro lado, é inegável o fascínio do espectador por conviver neste universo multimedia serializado. “Em vez de apreciar séries de filmes apesar de sua repetitividade constitutiva, os espectadores podem desfrutar de séries de filmes por causa disso” (Loock 2014, 22).
Para Jessica Bay, os sequels tornaram-se um “importante fator cultural e econômico nas decisões das grandes corporações de Hollywood e devem ser reconhecidos como tal pelos historiadores de cinema e críticos culturais” (Bay 2010, 3). Bay afirma ainda que tais universos são fundamentais para a previsão de lucro antecipado dos estúdios, afinal, é mais fácil explorar o sucesso de um filme original do que apostar numa história original. Com isso, as continuações das grandes franquias passaram a fazer parte do planejamento de sucesso de bilheteria, influenciando a tal ponto a cultura popular que agora há sempre uma expectativa dos meios de comunicação especializados e do público pelo anúncio de potenciais continuações de filmes de grande sucesso.
Com isso, Hollywood reproduz constantemente as mesmas histórias, história sobre os mesmos universos, dando pouco espaço para o novo. E o espectador parece estar correspondendo a este tipo de cinema que lhe é confortável. Uma prova disso está nos dados de bilheteria de 2019. Todos os dez filmes mais vistos são histórias que já faziam parte de algum universo: Avengers: Endgame, The Lion King, Frozen 2, Spider-Man: Far From Home, Captain Marvel, Joker, Star Wars: The Rise of Skywalker, Toy Story 4, Aladdin e Jumanji: The next level. O mesmo comportamento se repetiu no ano anterior, com nove dos dez filmes de maior bilheteria vindo de universos previamente estabelecidos. A única exceção foi Bohemian Rhapsody, que, no entanto, é uma cinebiografia baseada na história de um cantor e uma banda mundialmente famosos, Freddie Mercury e o Queen.
O cinema neste momento não dá sinais de esgotamento deste modelo. E enquanto estes filmes estiverem gerando milhões de dólares em lucro para os estúdios de Hollywood, o famoso The End que nos acostumamos a ver em filmes antigos permanecerá como peça de museu.
Bibliografia:
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Altman, Rick (2008). A Theory of Narrative. Nova Iorque. Columbia University Press.
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Barthes, Roland. In: Aline dos Santos Carneiro, José Maria da Silva, Lídio Peretti e Marilac Loraine Oleniki (eds.) (2011). Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes.
Bay, Jessica (2010). The new blockbuster film sequel: changing cultural and economic conditions within the film industry. Ontário: Brock University.
Dena, Christy (2009). Transmedia Practice: Theorising the Practice of Expressing a Fictional World Across Distinct Media and Environments. Sidney: University of Sydney, PhD thesis.
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Genette, Gerard (1980). Narrative Discourse — An Essay in Method. Nova Iorque. Cornell University Press.
Harvey, Colin B. (2015). Fantastic Transmedia: Narrative, play and memory across Science fiction and fantasy storyworlds. Londres: Macmillan.
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Jenkins, Henry (2009). Cultura da convergência. São Paulo: Aleph.
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Kelleter, Frank e Loock, Kathleen. In: Frank Kelleter (ed.) (2017). Media of serial narrative. Columbus: Ohio State University Press.
Klaustrup, Lisbeth, Tosca, Susana. In: Ryan, Marie-Laure e Thon, Jan-Nöel (eds.) (2014). Storyworlds across media: Toward a media-conscious narratory. Nebraska: University of Nebraska Press.
Klein, Amanda Ann e Palmer, R. Barton (2016). Cycles, sequels, spin-offs, remakes and reboots: multiplicities in film & television. Austin. University of Texas Press.
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Loock, Kathleen (2014). Serial Narratives. Kiel: Literatur in Wissenchaft und Unterricht.
Proctor, William. In: Mark J.P. Wolf (ed.) (2018). The Routledge companion to imaginary worlds. Nova York: Routledge.
Loock, Kathleen (2017). The sequel paradox: repetition, innovation and Hollywood´s hit film formula. Manchester: Manchester University Press.
[1] Link para a entrevista do diretor Bong Joon Ho: https://www.cnet.com/news/bong-joon-ho-reveals-more-parasite-hbo-tv-series-details/
[2] Cliffhanger é um recurso de roteiro utilizado na ficção que costuma colocar um personagem numa situação limite ou diante de uma revelação surpreendente. E muitas destas situações são resolvidas após o intervalo ou no episódio seguinte de uma série de TV. Ou ficam guardadas para serem abordadas em um segundo filme.
[3] Neste trabalho optaremos por usar sempre as versões em inglês destas expressões toda vez que for necessário se referir a elas ou conceitualizá-las.
[4] Traduções livres, respectivamente, de single focus, dual focus e multiple focus
[5] O gráfico do New York Times pode ser visto no seguinte link: https://www.nytimes.com/interactive/2019/05/24/business/media/summer-sequels.html