“O Brutalista”, um épico sobre o lado sombrio do Sonho Americano

Marcelo Alves
3 min readJan 26, 2025

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Adrian Brody é um dos pontos altos do filme

Nos primeiros minutos das 3h34min de “O Brutalista”, vemos um homem sendo acordado de um local escuro e pouco confortável e trazido para o lado de fora do que depois vemos ser um barco. A primeira imagem que este homem vê é o céu azul e a Estátua da Liberdade de cabeça para baixo em uma NovaYork da segunda metade dos anos 1940. Até ali, sabemos muito pouco sobre quem é László Tóth (Adrien Brody), porém o seu olhar para aquele monumento é o de alguém que guarda as marcas da vida, mas que tem um sonho.

Aos poucos descobrimos quem é Tóth. Um húngaro judeu sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. Um arquiteto que se formou na prestigiosa escola de Bauhaus, na Alemanha. Um homem viciado em heroína que sonha em se reunir com a mulher, Erzsébeth (Felicity Jones), de quem foi forçadamente separado durante a Segunda Guerra Mundial. E, além disso tudo, Tóth é um homem que tem o sonho de deixar o pesadelo para trás e vencer na América.

Contudo, o filme de Brady Corbet não é exatamente sobre a ideia idílica do Sonho Americano. A ideia de que todos temos a chance de sucesso, prosperidade e mobilidade social através de trabalho duro. “O Brutalista” é o oposto disso. Ele expõe o lado sombrio do Sonho Americano e mostra que nem todos são iguais, nem todos conseguem ter o direito básico à vida, liberdade, prosperidade e felicidade.

A ideia de Corbert não é exatamente original. Outros filmes na história do cinema abordaram os aspectos macabros do Sonho Americano. Mas é curioso que “O Brutalista” esteja em cartaz nos cinemas justamente neste momento em que o novo presidente estadunidense, Donald Trump, chega a Casa Branca com uma agenda conservadora, extremista, de perseguição a imigrantes e de todas as minorias em uma América que mostra que o ideal de prosperidade e igualdade está longe de ser para todos.

Em uma narrativa que se passa entre os anos 1940 e 1980, o épico de Corbet traça paralelos perturbadores com os Estados Unidos atual. E tudo partindo de um microcosmo, a história de Tóth, que foge da Europa para reconstruir o seu legado e encontra na figura do milionário Harrison Van Burien (Guy Pearce), o mecenas necessário para dar a sua contribuição ao nascimento de uma América moderna do pós-Guerra.

América esta que usa o trabalho do imigrante, mas o coloca no seu lugar como pária em uma sociedade que usufrui da sua mão-de-obra. O exemplo está na relação de Harrison com Tóth. Harrison é excêntrico e trata Tóth como um pet exótico que o entretém e de quem pode se livrar, usar, jogar fora e trazer de volta de acordo com o seu bel prazer. É absolutamente tóxica a relação entre os dois, mas Tóth é um gênio fragilizado pelos horrores pelos quais passou que só deseja fazer o possível para reconstruir a sua vida com Erzsébeth. E construir um legado dentro da arquitetura de estilo brutalista. Daí o nome do filme.

Num dado momento, porém, já na parte final do filme, Tóth reconhece a falácia do sonho americano e revela seu desejo de ir embora para Israel, para onde foi a sua sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy).

Quinto filme mais longo a concorrer ao prêmio principal do Oscar — perdendo apenas para “Cleópatra” (1963), “…E o vento levou” (1939), “Lawrence da Arábia” (1962) e “Os Dez Mandamentos” (1956) — “O Brutalista” por vezes é cansativo, ainda que seja dividido em duas partes com um intervalo no meio. Mas é de uma beleza rara e compensa não apenas pelos aspectos técnicos de direção, fotografia e direção de arte como também pelas excelentes interpretações de Brody, Pearce e Jones. Tudo isso faz valer cada minuto do filme de Corbet.

Nota 8,5/10.

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Marcelo Alves
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Written by Marcelo Alves

Jornalista e doutorando em Cultura Contemporânea e Novas Tecnologias pela Universidade Nova de Lisboa. Aqui escrevo sobre cinema, música e cultura em geral.

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